sexta-feira, 2 de março de 2012

memorias finais criminal roubo

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA 2a VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SANTO ANDRÉ – SP











Processo Crime no: XXX/XX











Denunciado, já devidamente qualificado nos autos da AÇÃO PENAL que lhe move a JUSTIÇA PÚBLICA, processo em epígrafe, por seu defensor dativo; nos termos do Convênio firmado entre a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP; conforme ofício de fls.77, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, tempestivamente; oferecer Alegações Finais, na forma de MEMORIAIS, em substituição dos debates orais, pelos motivos de fato e de direito abaixo aduzidos:


I – BREVE RELATO DOS FATOS:

O denunciado foi preso em flagrante delito em 22 de janeiro de 2011, por ter supostamente praticado a conduta descrita na norma penal incriminadora prevista no artigo 157, “caput” do Código Penal.

Segundo consta do Boletim de Ocorrência no 539/2011 lavrado no 4o Distrito Policial de Guarulhos, na data supra mencionada, a guarnição da viatura 44228 a qual tinha como encarregado o Soldado PM Rezende, que se encontrava em patrulhamento, obteve via COPOM a informação de que o veículo Pálio, Placa EIY4095 havia sido roubado e que a empresa de rastreamento o localizara circulando pela Avenida Orlando Bérgamo na cidade de Guarulhos, para onde se dirigiu a viatura, sendo localizado o automóvel citado, o qual estava sendo conduzido pelo ora denunciado Samuel David Fagundes.
Ao ser conduzido ao 4o Distrito Policial de Guarulhos, a proprietária do veículo Karla Roberta Galhardo após proceder o reconhecimento pessoal, reconheceu o denunciado como o autor do roubo de que foi vítima, na manhã daquele dia, defronte a sua residência situada na Rua Aimbere, no 417, casa 02, Vila Curuçá, em Santo André, conforme Boletim de Ocorrência no 558/11, confeccionado junto ao 2o Distrito Policial de Santo André.

O indiciado, interrogado formalmente, asseverou que foi contratado pela pessoa de prenome “Reinaldo” para que roubasse um veículo Pálio por R$ 300,00 (trezentos reais). Que na manhã dos fatos se dirigiu de ônibus até a cidade de Santo André, e num dado local avistou a vítima, que se encontrava tirando o carro da garagem. Que neste momento, a vítima desceu do veículo para fechar o portão, mas deixou o carro ligado e a porta aberta, e que se aproveitando desse lapso, adentrou no veículo, engatando a marcha ré e evadindo, conforme termo de interrogatório no auto de prisão em flagrante delito anexado às fls.10 dos autos.

Após o término do processo administrativo, houve o oferecimento da denúncia, sendo o denunciado notificado para oferecer sua resposta à acusação, por escrito, no prazo legal, nos termos do artigo 396, do Código de Processo Penal.

É a síntese necessária.


II – DO DIREITO:

Após o término da instrução probatória, cabe à defesa tecer algumas considerações importantes sobre os fatos, aos quais passaremos a seguir esclarecer:


a) DA DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ROUBO PARA FURTO:

Conforme verificamos do depoimento da vítima às fls.105/110, o fato se deu por descuido desta ao descer de seu veículo deixando a porta aberta e o carro ligado, ademais; pode–se verificar que em nenhum momento o denunciado proferiu palavras intimidadoras à vítima, o que podemos perceber através da transcrição de sua oitiva:

“Estava saindo da minha casa, tirando o carro da garagem; em torno de nove e cinco da manhã, desci do carro, fui fechar o portão, foi quando subiu um carro, em alta velocidade, um Kadett, deu um cavalo de pau, aí, parou, ele desceu do carro, olhou pra mim, simulando porte de arma, com a mão debaixo da camiseta, com uma mochila: “perdeu, perdeu, não olha pra mim”, eu virei, ele entrou no meu carro e saiu em alta velocidade. Eu chamei o 190, chamei a polícia e passei a placa do Kadett; logo em seguida vieram, eu fui na Delegacia de Policia e lá eu informei a seguradora, que meu carro tinha rastreador; uma hora da tarde, meio–dia, o pessoal ligou falando que tinham encontrado em Guarulhos, o pessoal da delegacia pediu para comparecer até Guarulhos e ver se era meu carro, realmente era, e eu fiz o reconhecimento na delegacia”. (negrito e grifo nosso)

Ora, Excelsa Magistrada; as palavras ditas pelo denunciado, segundo a vítima: “Perdeu, Perdeu ...”, não pode ser traduzido como forma de ameaça, muito menos considerar que tais palavras tenham o condão de intimidar a vítima.

Além do mais, a vítima sempre teve a plena consciência de que se tratava de uma simulação de arma; tanto que em todos os seus depoimentos (tanto na fase policial como em juízo) afirmou ter o réu simulado, consoante se pode observar através do exposto no Termo de Declarações no 4o Distrito Policial de Guarulhos às fls.08 dos autos.

Assim, percebe–se que não houve nenhuma ameaça intimidatória.

Neste sentido, são unânimes doutrina e jurisprudência, visto que ambas asseveram que para a ocorrência do crime de roubo, imprescindível que o agente tenha empregado violência ou grave ameaça.

Assinalam ainda, que o emprego da grave ameaça tem que ter o condão de intimidar; de causar temor à vítima. Se a grave ameaça não cumprir este papel, impossível se falar no crime de roubo.

O Professor Julio Fabbrini Mirabete, em recomendada obra, ao discorrer sobre a violência exigida para a realização do tipo penal do artigo 157 do Código Penal, assinala:

"A violência (vis physica) consiste no desenvolvimento de força física para vencer resistência real ou suposta, de quem podem resultar morte ou lesão corporal ou mesmo sem a ocorrência de tais resultados (vias de fato), assim como ocorre na denominada "trombada" (item 157.6). No caso do roubo, é necessário que a violência seja dirigida à pessoa (vis corporalis) e não à coisa, a não ser que, neste caso, repercuta na pessoa, impedindo-a de oferecer resistência ‘a conduta da vítima" (Código Penal Interpretado. 1. ed. 1999; 3ª tiragem 2.000; São Paulo. Atlas). (negrito e grifo nosso).

Ao comentar acerca da ameaça, como condição “sine qua non”, para a ocorrência do crime de roubo, anota:

"A ameaça, também conhecida como violência moral (vis compulsiva ou vis animo illata), é a promessa de prática de um mal a alguém, dependendo da vontade do agente, perturbando-lhe a liberdade psíquica (v. item 147.2). Pode-se ameaçar por palavras, escritos, gestos, postura etc. A simulação de emprego de arma é idônea para intimidar e se constitui, portanto, em ameaça para o roubo. Não há roubo se a ameaça não é dirigida para a subtração e tem outra finalidade. Também não se configura o crime se a vítima está atemorizada por outra razão e não pela conduta do agente, restando residualmente o furto". (obra citada acima)
(grifo e negrito nosso)

Importante ainda esclarecer que, a impressão da vítima durante os transcorrer dos fatos se deu pelo impacto sofrido em ver seu carro ser subtraído, por isso; sentiu–se erroneamente ameaçada pelo réu; mesmo sem ter este pronunciado qualquer palavra intimidatória. Assim; tal circunstância deve ser levada em consideração para a prolatação da respeitável sentença.

Imprescindível salientar que, a vítima apenas sofreu um abalo psicológico em razão da subtração do carro; o que é bem diferente de uma ameaça grave, a ponto de intimidá–la. Assim, caracterizado está que o temor da vítima é decorrente da subtração e não pela conduta do agente. Por este motivo, no caso em tela, verifica–se que não houve roubo e sim, furto. Portanto, cabível a desclassificação do crime de roubo para furto.

Neste sentido, é a posição do Professor Damásio E. de Jesus, posto que ao tecer comentários acerca da violência ou grave ameaça, exigida para a realização penal do delito de roubo, declina que:

"Sujeito passivo que se sente atemorizado por causa estranha à conduta do agente: Há furto e não roubo (RT, 523:401)
(negrito e grifo nosso)

A posição de nossos Tribunais, não é diferente, conforme transcrevemos:

"Inexistência de grave ameaça – TACRSP: "Sem fazer o autor qualquer gesto insinuando que esteja armado ao exigir dinheiro, nem encostar na vítima, o temor desta, por si só, não se presta para a perfeita tipificação do delito de roubo, que reclama a ocorrência da violência ou grave ameaça" (RJDTACRIM 91/300).
(negrito nosso).

TACRSP: "Para que se configure a grave ameaça, é preciso que ela seja séria e efetiva, a fim de impedir que as vítimas resistam, sendo certo que, a simples ordem de entrega de objetos, ainda que aliada ao número de agentes, não se mostra bastante e suficiente para configurar o crime de roubo" (RJDTACRIM 23/298).
(negrito nosso).

TACRSP: "Para fins de tipificação de roubo, não se pode considerar grave uma ameaça verbal de morte recebida de agente visivelmente embriagado, que afinal, foi até apontado como dependente do álcool" (JTACRIM 98/281).
(negrito nosso).

TACRSP: Temor da vítima por outra razão: inexistência de roubo – "O temor da vítima, no roubo, deve ser produzido pelo sujeito ativo. Se ela se achar aterrorizada por motivos que são estranhos ao agente, não haverá roubo, mas furto" (RT 523/401).
(negrito nosso).

Vale ressaltar que, mesmo diante da hipótese de simulação de arma de fogo, vem–se decidindo pela desclassificação, como abaixo mencionamos:

“Roubo – Simulação de porte de arma de fogo – Ameaça não caracterizada – Desclassificação para furto – Apelo Provido – Voto Vencido. A simulação de porte de arma não caracteriza o delito previsto no artigo 157 do CP, pois para tal figura delitiva se complete, é preciso que a ameaça seja potencialmente concretizável, isto é, que encerre dano capaz de se manifestar.” (TACrimSP – AP. 399.009/6 – Órgão Julgador 4o Câmara – Rel. Luiz Pantaleão, Declaração de voto vencido; Carvalho Neto – RDJTACRim 7/156)
(negrito e grifo nosso)

Desta forma, uma vez que não há nos autos provas suficientes, de forma estreme de dúvidas, no tocante à grave ameaça perpetrada pelo réu, requer a defesa a desclassificação para o delito de furto.

b) DA TENTATIVA:

Importante ainda ressalvarmos, que as versões apresentadas tanto pela vítima como pelas testemunhas; demonstram que o veículo foi localizado pois tinha rastreador, o que demonstra que o veículo nunca saiu da esfera de vigilância da vítima, motivo pelo qual; pugna a defesa pelo o emprego do artigo 14, II do Código Penal, devendo o réu responder pelo crime em sua forma tentada.

Nesse sentido, trazemos o entendimento da Nossa Corte Superior a qual transcrevemos:

“PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO. SUBTRAÇÃO DA RES FURTIVA, SEGUIDA PRISÃO EM FLAGRANTE. CRIME TENTADO.
- O crime de roubo consuma-se no momento em que o assaltante realiza a plena subtração da res furtiva, afastando-a do campo de vigilância da vítima, mesmo que depois venha a ser preso em flagrante presumido.
- Na hipótese em que o agente do crime não teve, em nenhum momento, a posse tranqüila dos bens, pois foi preso logo em seguida à prática do delito, houve apenas tentativa. - Recurso especial conhecido e desprovido.”( RECURSO ESPECIAL Nº 365.090 – MT (2001/0115464-0) RELATOR : MINISTRO VICENTE LEAL RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO RECORRIDO : CLEITON GILBERTO DE GODOY ADVOGADO : JOSÉ SEBASTIÃO DE CAMPOS SOBRINHO)

Nesse sentido, ensina Nelson Hungria:

"O furto não se pode dizer consumado senão quando a custódia ou vigilância, direta ou indiretamente exercida pelo proprietário, tenha sido totalmente iludida. Se o ladrão é encalçado, ato seguido à apprehensio da coisa, e vem a ser privado desta, pela força ou por desistência involuntária, não importa que isto ocorra quando já fora da esfera de atividade patrimonial do proprietário: o furto deixou de se consumar, não passando da fase de tentativa." (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, v.VII, ed. Rio de Janeiro: Forense)

No mesmo sentido apresentamos o entendimento de Nosso Tribunal:

“APELAÇÃO CRIMINAL 990.08.056866-3 (SÃO PAULO - 5a V.C.) APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO APELADO: DEIVID ARAÚJO DA SILVA ROUBO - TENTATIVA - art. 157, "caput", c. c. art. 14, II, do Código Penal - grave ameaça devidamente caracterizada - prova assentada no depoimento das vítimas - res furtiva que não saiu da esfera de vigilância da vítima - tentativa bem reconhecida. Recurso do Ministério Público improvido.”

Portanto, uma vez que o veículo não saiu da esfera de vigilância da vítima, que o acompanhava via satélite atrás de sistema de rastreamento; requer a defesa a aplicação do artigo 14, II do Código Penal, ou seja reconhecendo o crime em sua forma tentada.

c) DA PENA:

Requer ainda a defesa, a aplicação da pena no patamar mínimo legal, com o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea nos termos do artigo 65, III, “d” do Código Penal, e ainda que se leve em consideração que no momento do ato o denunciado se encontrava sobre efeito da droga aplicando–se a atenuante inominada do artigo 66 do Código Penal, bem como o cumprimento da pena em regime aberto o qual será compatível com a reprimenda imposta legalmente.


III – DO PEDIDO:


Diante a confissão do réu e de tudo quanto foi apurado na fase instrutória, requer a defesa:

a) A desclassificação do crime de roubo, artigo 157, “caput” do Código Penal, para o crime de furto, artigo 155 do Código Penal;


b) A aplicação do artigo 14, II do Código Penal, ou seja, reconhecendo o crime em sua forma tentada;

c) a aplicação da pena no patamar mínimo legal, com o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea nos termos do artigo 65, III, “d” do Código Penal, e ainda que se leve em consideração que no momento do ato o denunciado se encontrava sobre efeito da droga aplicando–se a atenuante inominada do artigo 66 do Código Penal, bem como o cumprimento da pena em regime aberto o qual será compatível com a reprimenda imposta legalmente.

d) Requer ainda, o direito do réu de recorrer em liberdade;


Nestes termos,
Pede deferimento.

Santo André, 20 de junho de 2011.